Biografia de Luiz Roberto Galizia

“Meu interesse nas artes, especialmente nas artes do teatro, vem dos discursos de meu pai nas noites de ano novo, das lágrimas de minha mãe por tantas batalhas sexuais strindberguianas e do catolicismo do meu avô” Luiz Roberto Galizia [1]

Luiz Roberto Galizia foi ator, diretor, cenógrafo, iluminador, performer e autor teatral. Nasceu na capital paulista no dia 18 de outubro de 1951. Mesmo tendo atuado predominantemente no teatro, chegou a participar de alguns filmes, programas televisivos e peças publicitárias. Foi professor da ECA – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Faleceu na mesma cidade onde nasceu, em fevereiro de 1985, aos 34 anos, devido a complicações provocadas pela AIDS.    

A primeira experiência de Luiz no palco foi aos 15 anos. Atuou na peça “Presépio na Vitrine” de Roberto Freire, uma produção do TASC – Teatro Adolescente Santa Cruz, grupo do colégio no qual estudava. Depois de um tempo participando do grupo de teatro do TUCA – Teatro da Universidade Católica, teve sua primeira experiência profissional, como figurante em “O Balcão”, texto de Jean Genet com direção de Victor Garcia.

No mesmo ano em que ingressou no curso de arte dramática da ECA/USP, fez sua primeira participação no cinema como ator, no filme Vozes do Medo, de Roberto Santos. Até o ano de 1973, quando concluiu a graduação, Luiz contribuiu como ator em inúmeras peças, como “O Terceiro Demônio” de Mário Piacentini e “Os Construtores de Império” de Boris Vian. E, também, deu início aos primeiros trabalhos em direção teatral, como “Play Ground” de Darci Setten.

Ao longo da estadia do diretor norte-americano Robert Wilson no Brasil, no contexto do II Festival Internacional de Teatro de São Paulo, em 1974, Luiz foi contratado para trabalhar como seu tradutor junto aos atores brasileiros da peça “A Vida e Época de Joseph Stalin”[2]. Além de acompanhar todo o processo de montagem como quase um assistente do artista norte-americano, Luiz acabou participando da peça como ator. Essa experiência repercutiu tanto em sua trajetória artística como em sua carreira acadêmica.  

Entre 1974 e 1975, Luiz se dedicou aos estudos de pós-graduação em direção teatral na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Retornar aos Estados Unidos era um desejo seu desde quando participou de um programa de intercâmbio de estudantes, e morou por três meses em uma fazenda a oeste de Chicago, no final dos anos 1960.

Depois de concluir o mestrado, Luiz retornou a São Paulo. Nesse período participou como ator em uma montagem de “Delírio Tropical”, de Stanislaw Witkiewicz e, em paralelo, começou a trabalhar com Maria Alice Vergueiro e Cacá Rosset em projetos próprios. Os três já se conheciam dos tempos da ECA, onde Maria Alice lecionava e Cacá era estudante alguns anos mais novo que Luiz. Eles conseguiram emprestado o porão do Teatro Oficina para as primeiras apresentações do recém formado grupo, Teatro do Ornitorrinco. A peça de estreia foi “Os Mais Fortes”, baseada em textos de August Strindberg.

Com a consolidação do grupo Teatro do Ornitorrinco a partir de 1977, Luiz, Maria Alice e Cacá montaram um novo espetáculo, “Ornitorrinco canta Brecht e Weill”, no qual os três cantavam várias das músicas compostas em parceria por Bertolt Brecht e Kurt Weill, eram acompanhados por Cida Moreira no piano. A apresentação dessa peça em uma pequena sala do MASP – Museu de Arte de São Paulo, foi a última participação de Luiz antes de retornar aos Estados Unidos para realizar seu doutorado, com pesquisa sobre o “teatro total” de Robert Wilson. Nesse período que esteve no Brasil, participou como ator em dois filmes: “Maldita Coincidência” de Sérgio Bianchi e “O Olho Mágico do Amor” de José Antônio Garcia e Ícaro Martins.

Na nova temporada em Berkeley, entre 1978 e 1980, Luiz trabalhou como diretor de uma montagem de “A Morta” de Oswald de Andrade, além de ter participado como ator em diversos espetáculos, nos quais se destaca uma maior proximidade com a prática da performance.

“Mahagony”, também baseado no trabalho de Brecht e Weill, foi o espetáculo do Ornitorrinco que marcou o retorno de Luiz ao Brasil, depois da conclusão de seu doutorado. A peça ficou por quase três anos em cartaz excursionando pelo Brasil e exterior, foi apresentada na Venezuela, México e Estados Unidos. Em paralelo ao trabalho com o Ornitorrinco, Luiz seguia atuando em projetos de outros diretores, como na peça “Em Defesa do Companheiro Gigi Damiani” de Eliane Rocha e Jandira Martini, além de se dedicar às atividades de docência na ECA.

Em 1983, Luiz decide deixar o Ornitorrinco. No mesmo ano participa da montagem do musical “O Segredo da Alma de Ouro” de Leilah Assunção, e em sequência da comédia de Feydeau “Uma Pulga Atrás da Orelha”. A união de Luiz com o grupo Ponkã nos espetáculos “Tempestade em Copo D’água” e “Aponkãlipse” marcaram a influência das correntes performáticas norte-americanas em seu trabalho.

Seu último trabalho como diretor foi a performance “A Pororoca”, realizada em parceria com Maria Alice Vergueiro e Magaly Biff, apresentada no Festival de Teatro Latino-Americano de Nova York em 1984. Nos últimos anos de vida chegou a fazer uma pequena participação no filme “O Beijo da Mulher-Aranha” de Hector Babenco.

Como autor escreveu um livro de poesias, Vorazcidade (editado pelo autor, 1982) e, também, “Os processos criativos de Robert Wilson” (Editora Perspectiva, 1986), livro publicado a partir de sua tese.

Essa coleção é composta por filmes coloridos em super 8mm feitos por Luiz ao longo do período em que viveu entre o Brasil e os Estados Unidos, de 1974 a 1985. São registros caseiros dos mais diversos contextos, desde o ambiente familiar e homoafetivo até ensaios e peças teatrais.


Texto de Ana Galizia, cineasta e sobrinha de Luiz Roberto


[1] Depoimento escrito para uma disciplina do curso de mestrado em direção teatral na Universidade da Califórnia, no dia 9 de outubro de 1975. (RAMOS, Luiz Fernando. Galizia: Uma Poética Radical no Teatro Brasileiro. Dissertação, ECA/USP, São Paulo, 1988)

[2] Devido à censura imposta pela ditadura militar, para a sua apresentação no Brasil, o nome da peça foi alterado para “A Vida e a Época de Dave Clark” (GALIZIA, Luiz Roberto. Os processos criativos de Robert Wilson. Editora Perspectiva, São Paulo, 1986)

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